Uma das grandes características do português médio é o rir à desgarrada. E ainda bem. Faz esquecer os problemas e anima a situação. Este riso não é humorístico. O substrato da graça tem um fundinho de verdade. Quando vemos um discurso obviamente não sério, como um comediante ou um actor, distinguimos e dissecamos facilmente o que está a acontecer: alguém, na personificação de um papel, assume um texto com o intuito de fazer rir; o texto, este, tanto pode ter uma crítica socio-contemporânea como base, como ser ácido, ou, mesmo, totalmente infantil. Isso não tem propriamente relevância. A finalidade é que tem. E essa é fazer rir.
Mas o riso que ouvimos nas esplanadas não é esse riso. É a utilização do discurso não sério como arma de arremesso. A finalidade é ridicularizar e humilhar. No máximo: é desumanizar. Funciona como uma escalada. A pequena farpa abre a porta (ou tenta abrir — às vezes não consegue, porque um grunho não tem piada quase vez nenhuma). Depois, mal se veja aberta, vem a enxurrada. E pior: por fim, vem a moldagem do, inicial, discurso não sério, num argumento sério e, até, numa filosofia de vida. Este tipo de “humor” (entre aspas muito grandes, por não é uma forma real de humor, não sendo modalidade do discurso não sério) funciona em nicho e tem dois tipos de alvos: os destinatários da mensagem e as vítimas da mensagem. Os primeiros identificam-se com o discurso utilizado, não querendo ou conseguindo distinguir formas de discurso não sério de sério e misturando as suas crenças anteriores com alegadas graçolas; as segundas vêm através da graça entendendo o real sentido da afirmação proferida. É uma estratégia cáustica: a utilização de uma graça para tentar encontrar uma parcela de crença social. E é uma faca de dois bicos: se a graça funciona, abriu-se a porta; se não, era só uma piada.
No entanto, é outra característica associada a estas posturas que mais choca: a hipocrisia. Esses que se dizem “humoristas” do ódio, não conseguem tolerar ser, eles mesmos, o substrato da graça. Aí, ao contrário do riso que esboçam quando o fazem, vitimizam-se, desculpam-se, acobardam-se. Muito riso pouco siso e aqui está a prova disso.
Esta estratégia é transversal aos espectros políticos. Ultrapassa qualquer ideologia. Um vitimismo particular que se explana na classe (frouxa) política. Temo o pior: que tanto se riam e com tanta malícia que acabam a vomitar, a rebolar para o lado e a desfalecer. Talvez aí a sociedade tivesse uma melhoria substancial. Talvez aí a alimentação do falso riso caísse por terra. Levantado o véu está um problema de poder. Como disse Coronel Ramiro a Mundinho Falcão: “o senhor quer o poder tanto quanto eu…seu sonho é ser igual a mim”. É este desejo de ser a maioria, de substituir os hipotéticos poderosos da sociedade e de se colocar na sua posição, o verdadeiro substrato desta (pouca) graça.