É possível que o inventor do calendário, dos dias e das horas tenha morrido de ansiedade. A partir dele é que começamos a particionar o tempo e a vida, como se certas coisas só pudessem acontecer dentro de determinado lapso temporal. É assim com as despesas da casa. Todo o santo mês, que de santo nada tem, chegam as faturas de água, de energia elétrica, de gás, internet e por aí vai. O resultado disso é que acostumamo-nos, desde sempre, a pôr a vida em caixinhas de tempo. E depois, quando passa, esquecemo-las.
Quiçá, para não fazermos da vida um grande vazio ou uma coleção de experiências fúteis, é que surgem iniciativas interessantes. E como já estamos a virar a página de mais um calendário, deparamo-nos com os factos que marcaram o ano que passou, na altura em que são escolhidas as «coisas do ano». Automóvel, música, celebridade e…a palavra do ano.
Em Portugal, a iniciativa de divulgar a «palavra do ano» é da omnipresente Editora Porto. Ao final de cada ano as pessoas podem escolher, entre uma lista de candidatas, aquela que marcou o ano. Neste, que ora se encerra, havia muitas opões: inteligência artificial, eleições, elevador, flotilha, fogos, imigração, moderado, perceção e tarefeiro. Com base nessas escolhas já dá para imaginar em que sintonia vibramos em 2025. Mas a vencedora não foi nenhuma dessas concorrentes. A que ganhou o ano foi «apagão».
Há um certo antagonismo nesta escolha. O apagão que não apagamos. Foi curiosa esta escolha e certamente seria a minha opção. Por mais que tenha sido um evento de curta duração, marcou-nos pelo exercício de desapego. Nada de internet, nada de equipamentos eletrónicos. Vivemos por horas como se viviam nas aldeias de antigamente e que aos poucos tornam-se terras abandonadas. E se no começo pareceu apocalíptico (ao menos para as almas mais aflitas com esse tipo de evento) com o passar das horas a criatividade ordenou a mais bela convivência familiar. Muitos, já treinados pela experiência da Covid, receberam a situação como uma oportunidade para, inesperadamente, relaxar da vida acelerada do quotidiano, enquanto outros correram para esvaziar as prateleiras de papel higiénico dos hipermercados.
E se fôssemos fazer um exercício de análise, não do que veio a ser o apagão, mas das razões que levaram à escolha desta palavra. Que outras palavras poderiam ser ditas? Que significados esta escolha apontaria? Será que estamos a viver de forma automatizada, sem qualidade e presos ao uso das tecnologias? Será que somos dependentes ou apenas precisamos de mais independência? Enfim, muitos questionamentos podem surgir desta escolha, que em verdade é bem mais do que um vocábulo, é e foi uma experiência impactante e uníssona nos lares portugueses em 2025.
O fim do ano é sempre o momento em que as pessoas costumam fazer esses «cortes» da experiência vivida. Há quem constate que não perdeu peso, há os que não aprenderam o idioma desejado, os que não pararam de fumar, as que não denunciaram o marido agressor e por aí vai. Disso tudo, fica o grande ensinamento desse episódio marcante, que curiosamente não será apagado de nossas memórias. Não somos máquinas. Não é a falta de energia – elétrica – que nos impede de viver plenamente. Então, que aprendizado podemos ter para 2026? Onde será que vamos empregar a nossa energia neste ano novinho que vem pela frente? Qual seria a tua palavra do ano para 2026? O tempo já está a passar. Que tal começar a vibrar naquilo que tanto desejas? Às vezes, para se ver a verdadeira luz, é preciso apagar tudo aquilo que está ao redor.