A Assembleia Municipal aprovou hoje o Orçamento de 2026. Num regime democrático, aprovar um orçamento não é um mero ato administrativo: é escolher prioridades. É dizer, com números, quem é visto e quem fica para depois. E é precisamente aí que reside a minha preocupação — institucional, mas profundamente humana.
Há decisões orçamentais que se medem em percentagens. Outras medem-se em rotinas familiares que não se conseguem organizar, em idosos que esperam por uma vaga, em cuidadores exaustos e em instituições sociais que fazem “milagres” com recursos limitados. O concelho da Covilhã tem desafios demográficos e sociais demasiado evidentes para continuarem a ser tratados como nota de rodapé: envelhecimento acentuado, dependência idosa crescente e respostas sociais manifestamente insuficientes.
Comecemos pelo que é mais imediato para muitas famílias: as creches. Ter creche não é um “extra”. É uma condição para trabalhar, para fixar jovens, para dar estabilidade a quem quer viver e constituir família no concelho. No entanto, o Orçamento de 2026 aprovado não prevê dotação para a execução de novas creches — nomeadamente em Canhoso e Tortosendo, necessidades que se arrastam e que continuam a penalizar crianças e pais. Quando falamos de dezenas de crianças sem resposta, falamos de dezenas de famílias a viverem em permanente gestão de emergência: horários impossíveis, avós sobrecarregados, empregos em risco.
E aqui há ainda um ponto político que não pode ser ignorado: é difícil aceitar apelos públicos à “união” para exigir reforços financeiros, quando se reconhece que, no passado recente, existiram oportunidades de financiamento para aumentar a capacidade em creche e elas não foram aproveitadas com a diligência necessária. A coerência, em política, não é retórica — é ação atempada.
A segunda grande omissão é a política social para os idosos e para a dependência. Com indicadores de envelhecimento muito acima da média nacional, a resposta não pode ficar refém de boa vontade e improviso. Precisamos de uma estratégia e de investimento: mais vagas em ERPI, reforço do apoio domiciliário, respostas para demência, e um plano municipal que assuma, calendário com metas e financiamento. As IPSS têm sido o pilar silencioso desta rede — mas não podem continuar sozinhas. Apoiar as IPSS não é uma opção; é um dever público quando a necessidade é estrutural.
O que se exige, após a aprovação deste Orçamento, é simples e mensurável: Linhas orçamentais claras para creches e respostas sociais (não apenas intenções genéricas); Candidaturas e cofinanciamentos executados em tempo útil, com acompanhamento público; Contratualização com IPSS orientada para resultados: novas vagas, mais equipas, mais proximidade.
Um orçamento pode estar tecnicamente equilibrado e, ainda assim, falhar o essencial: melhorar a vida real. A Covilhã não precisa de discursos sobre prioridades. Precisa de prioridades inscritas no orçamento — e executadas no terreno.