Grande, bonito e com estacionamento gratuito, eis a promessa feita por Manuel João Vieira.
Entre risos e perplexidade, temos atualmente um comediante empreendedor. Dinâmico, atrevido, animado e crítico.
Não podemos acreditar em tudo o que vemos, mas certamente aqui, não foram vídeos de IA a circular nas redes.
A perplexidade da jornalista era muita, mas na verdade aqui temos o poder da arte. A crítica subjetiva, nua e crua. A canalização da comédia num país que se faz sentir nas suas dores atuais.
Olhar para o que a sociedade oferece com os olhos de quem guarda museus, ensaia peças e entende que o património não é só pedra, é quase prática.
Foi com esses olhos que observei a última aparição pública do homem que, por acaso, é músico, professor, empreendedor, artista plástico e, agora, candidato à Presidência da República!
Não para o execrar como político, que não é esse o meu ofício, mas para ler a sua candidatura como se fosse um ato cénico que nos revela algo sobre o país. Uma performance inesperada em plena televisão nacional.
Manuel João Vieira não é um estranho à cena pública portuguesa, nascido nos anos 60, é certamente um homem de muitas paixões, ora a música pelo qual é principalmente reconhecido, através do seu carismático público português; mas também pela arte, na qual é atualmente professor de muitas mentes brilhantes do país.
Já tentara outras candidaturas (em 2011 e 2016), como manifesto performativo face a um programa tradicional de governo. Esta biografia artística dá sentido ao que agora vemos, portanto, um artista que mobiliza performatividade política. Inteligente, sabedor e digamos de “extrema centro”, como afirma.
O episódio mais recente, já com o número de assinaturas necessárias para formalizar a candidatura, transformou-se numa espécie de coletivo!
Viralizou assim, uma entrevista que corre as redes como Vieira deseja o vinho, canalizado e em todas as casas.
Entre manchetes que repetem promessas impossíveis como uma prostituta em cada esquina, um Ferrari para cada português ou uma cidade para dez milhões de habitantes repleta de inteligência artificial, esta na base uma comédia e performance de um artista puro e com vontade de fazer rir.
Pois assim entende, que apenas desiste se eleito for.
São factos, mas são também truques humoristas de um roteiro que mistura sátira e provocação.
Mas por que motivo é que isto nos interessa enquanto observadores do património cultural?
Ora, porque a arte contemporânea, tal como a comédia política, tem vindo a usar a paródia e a hiperbolização como ferramentas de diagnóstico.
As árias promessas, inclusive o aumento salarial de forma abrupta que Vieira nos promete, reflete aspetos distorcidos e complicados que enfrentamos no nosso país.
Mostram-nos também, por contraste, a pobreza de algumas promessas políticas convencionais e a nossa necessidade de palavras grandiosas para cobrir problemas estruturais, mas que também não refletem a problemática que a democracia exige, bem como a dificuldade que certamente é governar um país...
Reportagens recentes compilaram estas promessas e mostraram como a viralidade amplifica o efeito performativo.
Aqui, permito-me a uma ponta de hipocrisia!
Aprecio a polinização do artista em palco, contudo, friso que a liberdade de fazer do voto um número de stand-up não transforma automaticamente a política num mero espetáculo inocente.<
A paródia tem a virtude de desarmar e a falha de poder anestesiar.
Quando um candidato promete “tudo para todos”, a gargalhada inicial pode esconder o desalento real de quem espera políticas públicas concretas.
Neste caso a performance corre o risco de fazer de conta que vive no mesmo mundo que o eleitor desempregado, o professor com contratos precários, ou o técnico de museu que fecha salas por falta de verba.
É, porém, justamente por essa tensão que a paródia se legítima, não se trata apenas de uma risada parva, é pois, crítica performativa.
Pura sátira. Uma performance política.
Nos nossos repertórios culturais, ora desde o teatro de revista ao fado satírico, das caricaturas de Bordalo Pinheiro aos panfletos de bairro, a paródia foi muitas vezes a forma mais honesta de falar de injustiças.
Manuel João Vieira, homem de ofício teatral, usa estas mesmas ferramentas.
Não inventa o ridículo; enfatiza-o até que a névoa da normalidade se revele.
Se isto serve para acordar conversas, então terá cumprido uma função democrática que a própria política institucional nem sempre facilita.
Por fim, e sem vontade de moralizar, se o eleitorado encarregar a performance de ser uma barbárie ou de ser crítica, isso já será escolha soberana.
O que, enquanto apaixonada pelo património imaterial, me interessa registar é que esta candidatura é um exemplo contemporâneo de como a arte portuguesa continua viva, irónica e interventiva. Ela reaprende-nos que o teatro político pode ser tanto um espelho como um martelo.
É um reflexo do que somos e, às vezes, bate para reconstruir.